06 Jul 2020 Reportagem Desastres e conflitos

Enquanto a pandemia de coronavírus bate recordes, novo relatório da ONU sugere caminho para evitar novos surtos

Ebola, Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), Zika Vírus, HIV/AIDS, Febre do Nilo Ocidental e a recente COVID-19 são algumas das principais doenças emergentes nas últimas décadas. Embora tenham surgido em diferentes partes do mundo, elas têm uma coisa em comum: são o que os cientistas chamam de "doenças zoonóticas", ou seja, infecções transmitidas de animais para seres humanos, que podem deixar rastros de doenças e mortes por onde passam.

Um novo estudo científico do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e do Instituto Internacional de Pesquisa Pecuária (ILRI) concluiu que, se os países não tomarem medidas drásticas para conter a disseminação de zoonoses, surtos globais como o da COVID-19 serão mais comuns.

"As pessoas lembram da pandemia de gripe espanhola de 1918-19 e pensam que essas doenças acontecem apenas uma vez. Mas isso não é verdade. Se não restabelecermos o equilíbrio entre o mundo natural e o humano, elas se tornarão cada vez mais predominantes", afirmou o Diretor de Avaliações Científicas do PNUMA, Maarten Kappelle.

O estudo Prevenir a Próxima Pandemia – Doenças Zoonóticas e Como Quebrar a Cadeia de Transmissão, publicado no dia 6 de julho, descreve como 60% dos 1.400 micróbios conhecidos por infectar seres humanos se originaram em animais.

Women working in the advanced animal health laboratories of ILRI, in Nairobi, Kenya (photo credit: ILRI/David White)
Women working in the advanced animal health laboratories of ILRI, in Nairobi, Kenya. Photo by ILRI/David White

Enquanto doenças emergentes como a COVID-19 dominam as manchetes das notícias mundiais, doenças zoonóticas negligenciadas matam pelo menos 2 milhões de pessoas por ano, principalmente em países em desenvolvimento. Isto supera em mais de quatro vezes o número atual de mortes causadas pela COVID-19.

"As doenças zoonóticas, para mim, realmente se intensificam diante de fatores como pobreza e desigualdade", disse a coautora do estudo e Diretora para a Vida Selvagem do PNUMA, Doreen Robinson. “Essas doenças afetam desproporcionalmente as pessoas nos países menos desenvolvidos. Mas elas só se tornam um problema coletivo quando afetam a todos, como com a COVID-19".

As doenças zoonóticas têm atormentado as sociedades desde o período neolítico e foram responsáveis ​​por algumas das pandemias mais mortais da história, como a peste bubônica no final da Idade Média e a pandemia de gripe espanhola no início do século XX.

À medida que a população mundial se aproxima de 8 bilhões de habitantes, o desenvolvimento desenfreado coloca cada vez mais os seres humanos em contato com animais selvagens, o que facilita a disseminação dessas doenças entre as espécies.

"Conforme exploramos áreas mais marginais, criamos mais oportunidades de transmissão", explicou o professor de doenças infecciosas em animais da Universidade de Liverpool e co-autor pelo ILRI, Eric Fèvre. "A nossa pegada esta aumentando no mundo e, com ela, o risco de grandes epidemias e, eventualmente, de outra pandemia como a da COVID-19, é cada vez maior".

O custo gerado pelas epidemias zoonóticas é alto. O Fundo Monetário Internacional estima que a COVID-19, isoladamente, irá contrair em 3% a economia global este ano, reduzindo a produtividade em 2021 em US$ 9 trilhões. Mesmo duas décadas antes dessa pandemia o Banco Mundial já havia estimado um custo direto de US$ 100 bilhões para as doenças zoonóticas.

Bashayider, a sheep farmer in Menz, Ethiopia (photo credit: Apollo Habtamu, ILRI).
Bashayider, a sheep farmer in Menz, Ethiopia. Photo by Apollo Habtamu, ILRI

De acordo com a principal autora do relatório, Delia Grace, que é epidemiologista veterinária do ILRI e professora de segurança alimentar do Instituto de Recursos Naturais do Reino Unido, a fim de evitar surtos futuros os países precisam de uma resposta coordenada para as doenças zoonóticas emergentes e embasada na ciência. "Os vírus não precisam de passaporte. Não é possível enfrentá-los isoladamente em cada país. Precisamos integrar nossas respostas trabalhando com a saúde humana, animal e ambiental para que elas sejam eficazes”, disse.

O PNUMA e o ILRI convocam governos a adotarem uma abordagem intersetorial e interdisciplinar chamada One Health (saúde unida, em português). Ela sugere que governos não apoiem somente os sistemas de saúde humana e animal, mas que enfrentem outros fatores facilitadores da transmissão de doenças entre as espécies – como a degradação ambiental e a maior demanda por carne. Mais especificamente, incentiva governos a promoverem a agricultura sustentável, fortalecerem os padrões de segurança alimentar, monitorarem e aprimorarem os mercados tradicionais de alimentos, investirem em tecnologia para rastrear surtos e criem novas oportunidades de emprego para pessoas que comercializam animais silvestres.

Robinson também afirma que os governos precisam entender melhor como as doenças zoonóticas funcionam, pois isto poderia ajudar o mundo a evitar outra pandemia como a da COVID-19.

"Investir em pesquisas sobre zoonoses nos colocará à frente do jogo para prevenirmos outros tipos de lockdown global. Ainda teremos outros surtos. Os patógenos ainda serão transmitidos de animais para seres humanos e vice-versa. A questão é: até onde eles vão e qual impacto terão?”, complementa.

“Getting ahead of the game and preventing the type of global shutdown we’ve seen—that's what investing in zoonotic research will get you,” she says. “Outbreaks will happen. Pathogenic organisms will jump from animals to humans, and back to animals again. The question is: How far will they jump and what impact will they have?”

FATOS SOBRE DOENÇAS ZOONÓTICAS

  • As doenças zoonóticas (também conhecidas como zoonoses) são doenças causadas por patógenos transmitidos entre animais e seres humanos.
  • Exemplos de zoonoses incluem HIV-AIDS, Ebola, Doença de Lyme, Malária, Raiva e Febre do Nilo Ocidental, além da doença causada pelo novo coronavírus de 2019, a COVID-19.
  • Alguns animais selvagens (como os roedores, os morcegos, os animais carnívoros e os primatas) têm mais probabilidade de abrigar patógenos zoonóticos e os rebanhos são frequentemente uma ponte de transmissão de patógenos entre os animais e os hospedeiros humanos.
  • Nos países mais pobres, as zoonoses endêmicas negligenciadas associadas à pecuária causam mais de 2 milhões de mortes humanas por ano.

Para saber mais, leia nossa página de perguntas frequentes sobre zoonoses.

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