03 Oct 2019 Reportagem Desastres e conflitos

Impactos e oportunidades ambientais da resposta humanitária no Brasil

Entrevista com Dan Stothart, Oficial Regional de Assuntos Humanitários do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA)

A crise econômica e a situação humanitária da Venezuela levaram ao maior deslocamento internacional de pessoas na história recente da América Latina. Estimativas da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) apontam que 4,3 milhões de venezuelanos vivem hoje no exterior, dos quais 3,5 milhões na América Latina e no Caribe.

Boa Vista, capital do estado de Roraima, localizada próxima à fronteira norte do Brasil com a Venezuela, é o município que atualmente hospeda o maior número de refugiados e migrantes venezuelanos no Brasil (cerca de 40.000 pessoas).

Com os abrigos operando em suas capacidades máximas, uma série de desafios emergem, desde o fornecimento de alimentos, segurança e assistência médica a políticas de gênero, integração cultural e questões ambientais, como o gerenciamento de resíduos e estresse hídrico. O governo brasileiro e seus parceiros, incluindo várias agências das Nações Unidas, têm trabalhado para gerir esses desafios e, ao mesmo tempo, encontrar as melhores práticas e oportunidades para brasileiros e venezuelanos.

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Com o objetivo de apoiar os governos locais e federais na redução dos impactos ambientais das respostas humanitárias ao deslocamento de populações, o PNUMA uniu forças com o ACNUR.

Dan Stothart, Oficial Regional de Assuntos Humanitários do PNUMA, é responsável por coordenar o programa de desastres e conflitos na região da América Latina e Caribe. Aqui, ele nos dá uma visão dos impactos e das oportunidades ambientais gerados pela crise, bem como das ações que já foram e que ainda serão tomadas pelo PNUMA e seus parceiros.

Qual é o papel do PNUMA na resposta da ONU a esta crise, especificamente no contexto de Roraima?

O interesse do PNUMA pela situação em Roraima está na investigação dos impactos ambientais e das maneiras pelas quais a situação das pessoas migrantes e refugiadas no Brasil pode se tornar uma oportunidade para melhorar situações ambientais pré-existentes. O PNUMA agora tem um especialista, no escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, em Boa Vista, que está trabalhando para aconselhar todos os diferentes serviços de resposta emergencial.

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Que exemplos de impactos ambientais comuns nessas situações de crise migratória podem ocorrer no Brasil? O que a ONU está fazendo para apoiar atores que trabalham com os serviços de resposta a reduzir os impactos?

Os impactos podem estar relacionados à forma como a provisão de alimentos e abrigo afeta o meio ambiente, como na geração de resíduos e o impacto deles na situação humanitária. Com a entrega de uma grande quantidade de alimento nos abrigos, em geral pré-cozidos e emlabados em plástico, tem-se, em primeiro lugar, o aumento do volume de lixo não reciclável. Aí, quando chove, o lixo produzido se enche de água e há um aumento do número de incidências de doenças transmitidas por mosquitos. Precisamos buscar maneiras de reduzir a produção de resíduos, o que dominui a incidência geral das doenças transmitidas por vetores.

Além disso, o número de venezuelanos indígenas chegando no Brasil tem crescido. São comunidades que dependem de recursos naturais, geralmente produzem seus próprios alimentos, tem práticas específicas de agricultura e também praticam a pesca em certo nível, entre outras tradições. Podemos ajudar a integrá-los às comunidades venezuelanas brasileiras apoiando a agricultura local, a segurança alimentar e a gestão ambiental, como meio de facilitar a transição. O ACNUR e o PNUMA estão constantemente avaliando a melhor maneira de fornecer uma resposta cultural e ambientalmente adequada, tendo em mente que as próprias culturas indígenas estão em constante evolução.

Existem muitos desafios diferentes, tanto ambientais quanto culturais.

 

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Em algumas situações, é necessário sentar-se com as agências e lembrá-las de olhar para os desafios ambientais. Nesta, estamos trabalhando com agências que desejam reduzir o impacto ambiental de seus serviços de resposta humanitária e encontrar uma maneira de usar a situação para resolver problemas ambientais, buscando soluções duradouras.

Quais são algumas das oportunidades que surgiram dessa crise para melhorar as situações ambientais pré-existentes no Brasil?

Uma coisa que os agentes humanitários tentam fazer é garantir que a comunidade anfitriã também obtenha benefícios da resposta humanitária. O governo brasileiro possui um programa muito ambicioso chamado “interiorização”, que visa ajudar essas pessoas a irem para outras partes do Brasil, apoiando-as também na busca de oportunidades de trabalho. Estamos começando a ver como podemos ajudar pessoas com experiência prévia a encontrar “empregos verdes” relacionados à gestão ambiental. Em outros casos, estamos procurando maneiras de ajudar os governos municipais a melhorar seu gerenciamento de resíduos por meio da própria resposta de emergência.

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O que já foi alcançado pelo projeto do PNUMA e quais são os próximos passos?

Não podemos resolver tudo. Portanto, examinamos como os abrigos operam em termos de provisão e desperdício de alimentos, saneamento e algumas outras questões relacionadas à integração. Além disso, analisamos alguns dos programas ambientais que outras agências promovem, mesmo que não-relacionados à situação venezuelana, e procuramos ajudá-las a expandir ou adaptar suas iniciativas para enfrentar alguns desses desafios. Também esperamos desenvolver um projeto de reciclagem, criando oportunidades de emprego para brasileiros e venezuelanos, além de enfrentar alguns dos grandes desafios da gestão de resíduos em algumas das cidades que recebem o maior número de pessoas refugiadas e migrantes.