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06 Apr 2022 Reportagem Fresh water

Como patógenos resistentes a medicamentos na água podem provocar outra pandemia

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As pessoas ao redor do mundo estão, sem conhecimento, sendo expostas à água contaminada com antibióticos, o que pode dar início ao surgimento de patógenos resistentes a medicamentos e potencialmente alavancar outra pandemia global, segundo um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

O estudo, realizado no mês passado, próximo ao Dia Mundial da Saúde em 7 de abril, revelou que, globalmente, não é dada a devida atenção à ameaça que a resistência antimicrobiana representa, com a maioria dos antibióticos sendo lançada no meio ambiente por meio de banheiros ou por defecação a céu aberto. Em 2015, 34,8 bilhões de doses de antibiótico foram consumidos diariamente e cerca de 90% deles foram lançados no meio ambiente ainda como substâncias ativas.

Embora 80% das águas residuais no mundo não sejam tradadas, até nos países desenvolvidos as estações de tratamento frequentemente não conseguem filtrar microrganismos perigosos.  Isso pode gerar a reprodução de super microrganismos que podem contornar a medicina moderna e desencadear uma pandemia, alertam os autores do relatório.

Os antibióticos e outros medicamentos salvam vidas, mas precisam ser utilizados com cautela para que não haja uma resistência antimicrobiana, que apresenta riscos sociais, ambientais e financeiros para as empresas e para a sociedade em geral.

Leticia Carvalho, diretora da Unidade Marinha e de Água Doce do PNUMA

Em 2019, as infecções que apresentaram resistência a antibióticos foram associadas à morte de quase 5 milhões de pessoas. Sem uma ação imediata, essas infecções poderão causar até 10 milhões de mortes por ano até 2050, revela o relatório: "Outra pandemia se esconde à vista de todas as pessoas. As consequências do contínuo desenvolvimento e disseminação da resistência antimicrobiana podem ser catastróficas”.

Os antimicrobianos são agentes cujo objetivo é matar os patógenos ou inibir o crescimento dos mesmos. A categoria inclui antibióticos, fungicidas, agentes antivirais, parasiticidas, assim como alguns desinfetantes, antissépticos e produtos naturais.

A resistência antimicrobiana ocorre quando microrganismos como bactérias, vírus, parasitas e fungos evoluem e se tornam imunes às drogas às quais eram vulneráveis anteriormente. Quanto mais os microrganismos são expostos aos produtos farmacêuticos, maior é a probabilidade de adaptação a estes.

"Os antibióticos e outros medicamentos salvam vidas, mas seu destino ambiental no curso de nossas águas tem importância. Eles precisam ser utilizados com cautela para que não haja uma resistência antimicrobiana, que apresenta riscos sociais, ambientais e financeiros para as empresas e para a sociedade em geral", alerta Leticia Carvalho, diretora da Unidade Marinha e de Água Doce do PNUMA.

O que pode ser feito?

A woman analyses a sample of water
Estudante analisa amostras de esgoto na Universidade de Atenas, durante a pandemia da COVID-19 em 2020. Foto: Reuters / Stelios Misinas

Segundo o relatório, essa ameaça global pode ser enfrentada por meio do controle da liberação da poluição por antibióticos, incluindo por meio da melhora no tratamento de esgoto e do uso mais seleto de antibióticos — frequentemente estes medicamentos são utilizados sem necessidade. O relatório recomenda a melhoria dos dados e do monitoramento de antimicrobianos e como estes são descartados. Também exige uma governança ambiental aprimorada e planos de ação nacionais para limitar a liberação de antimicrobianos.

O relatório pede aos países que adotem a abordagem One Health (“Uma Saúde”, na tradução literal), que está centrada na ideia de que a saúde humana e animal são interdependentes e ligadas à dos ecossistemas em que coexistem. A estratégia, por exemplo, exige que os países limitem o desmatamento, que frequentemente aproxima as pessoas de animais selvagens transmissores de vírus, permitindo que os patógenos saltem de uma espécie para outra.

“A pandemia de COVID-19 ensinou lições, uma delas é a necessidade de prevenir e enfrentar várias ameaças à saúde ao mesmo tempo, especialmente suas dimensões ambientais”, segundo o relatório.

Cinco fontes principais

A computer generation image of microbes
Imagem de micróbios gerada por computador. Foto: CDC

 

Um estudo recente sobre a poluição farmacêutica dos rios do mundo concluiu que níveis mais altos de patógenos resistentes a antibióticos foram encontrados em países de baixa a média renda e foram associados a áreas com pouca infraestrutura de gestão de águas residuais e de resíduos, além das áreas onde há a fabricação de produtos farmacêuticos.

De acordo com um relatório do PNUMA, Há cinco fontes principais de poluentes que contribuem para o desenvolvimento e propagação da resistência antimicrobiana. Estes são:

  • saneamento, tratamento de esgoto e efluentes precários, agravados, por exemplo, pela defecação a céu aberto e o uso excessivo de antibióticos para tratar a diarreia;
  • efluentes da fabricação farmacêutica;
  • resíduos de centros de saúde;
  • uso de antimicrobianos e esterco na produção agrícola; e
  • liberações da produção animal.

Dimensões da mudança climática

Temperaturas mais elevadas também estão associadas ao aumento de infecções resistentes a antimicrobianos, conclui o relatório. Muitas doenças são sensíveis ao clima, e mudanças nas condições ambientais e de temperatura podem levar a um aumento na propagação de doenças bacterianas, virais, parasitárias, fúngicas e transmitidas por vetores.

Eventos climáticos extremos e a elevação dos lençóis freáticos podem fazer com que as águas residuais e os esgotos sobrecarreguem as estações de tratamento, permitindo que águas não tratadas e ricas em microrganismos resistentes a antimicrobianos contaminem comunidades vizinhas.

O relatório, que apresenta os destaques de um estudo mais detalhado a ser divulgado no final deste ano, pede que as autoridades formuladoras de políticas não baixem a guarda, mesmo quando a pandemia da COVID-19 recuar: “A pandemia de COVID-19 é um chamado de despertar para melhor compreender e aprimorar todas as áreas de preparação e prevenção de doenças infecciosas, incluindo suas dimensões ambientais”.

 

O combate à crise da poluição constitui um pilar central das novas prioridades estratégicas globais do PNUMA em relação à água, e a resistência antimicrobiana está especificamente incluída na Estratégia de Médio Prazo do PNUMA para 2022-2025 no âmbito da ação sobre químicos e poluição. A abordagem "One Health", apoiada pelo PNUMA, é uma estratégia transversal e sistêmica com base no fato de que a saúde humana e a saúde animal são interdependentes e ligadas à saúde dos ecossistemas nos quais coexistem.

Desde 1978, o PNUMA tem executado o Programa de Monitoramento Ambiental Global sobre a Água Doce (GEMS/ Água), encarregado de apoiar os Estados membros no monitoramento e avaliação da qualidade da água e na comunicação de seus dados ao banco de dados global do PNUMA sobre a qualidade da água.

A Aliança Mundial da Qualidade da Água, fundada pelo PNUMA em 2019, defende o papel central da qualidade da água doce para alcançar a prosperidade e a sustentabilidade, sendo encarregada da elaboração de uma Avaliação Mundial da Qualidade da Água. A Iniciativa Global de Águas Residuais, para a qual o PNUMA fornece serviços de secretariado, vem sensibilizando as pessoas sobre a resistência antimicrobiana.

Para combater o impacto generalizado da poluição na sociedade, o PNUMA lançou a #CombaterAPoluição, uma estratégia de ação rápida, em larga escala e coordenada contra a poluição do ar, da terra e da água. A estratégia destaca o impacto da poluição sobre a mudança climática, a perda da natureza e da biodiversidade e a saúde humana. Por meio de mensagens baseadas na ciência, a campanha mostra como a transição para um planeta livre de poluição é vital para as gerações futuras.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) em colaboração com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) e o PNUMA desenvolveram uma Estrutura Estratégica de colaboração em matéria de resistência antimicrobiana (AMR).

 

Para mais informações, favor entrar em contato com Tessa Goverse: goverse@un.org ou Riccardo Zennaro: riccardo.zennaro@un.org