23 Oct 2019 Reportagem Nature Action

Por que as turfeiras são importantes?

Entrevista com Dianna Kopansky, especialista em turfeiras do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

As turfeiras tropicais foram noticiadas recentemente pelos graves incêndios que ocorreram na província de Jambi, na Indonésia. Dianna Kopansky trabalhou extensivamente em turfeiras tropicais e em outras. Ela também coordena o trabalho do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) com turfeiras. Nesta entrevista, ela nos fala sobre a importância das turfeiras e o que pode ser feito para protegê-las dos incêndios.

Por que esses incêndios nas turfeiras estão acontecendo?

Não é a primeira vez que a Indonésia enfrenta grandes incêndios. Em 2015, eles tiveram mega-incêndios, e muitos deles em turfeiras. Como as turfeiras são compostas por espessas camadas de matéria orgânica parcialmente decomposta, que se formou ao longo de milhares de anos, elas armazenam muito carbono. Os incêndios são um problema regular para a Indonésia durante os meses de verão e este ano, novamente, eles chegaram às manchetes.

A saúde das turfeiras está ameaçada pela drenagem para a agricultura, pela silvicultura comercial, pela extração de turfa, pelo desenvolvimento de infraestrutura e, é claro, pelos efeitos do aquecimento global. Há três razões principais pelas quais ocorrem incêndios em florestas e turfeiras: vários agentes (empresas, pequenos agricultores) usam o fogo para limpar a terra para construção e para agricultura; os incêndios são frequentemente usados ​​para reivindicar terras em disputas entre grandes empresas e pequenos agricultores; e turfeiras drenadas são altamente inflamáveis ​​durante a estação seca, de modo que clareiras em pequena escala e incêndios em campos podem facilmente sair do controle.

Essa situação não é específica da Indonésia - incêndios acontecem em todo o mundo, do Ártico à Bacia do Congo.

 

Firefighters fight a fire at night near Palangka Raya, Central Kalimantan.  Photo by Aulia Erlangga/CIFOR
Os bombeiros combatem um incêndio à noite perto de Palangka Raya, Kalimantan Central. Foto de Aulia Erlangga / CIFOR

Por que os incêndios nas turfeiras são tão problemáticos?

Os incêndios nas turfeiras são problemáticos devido à enorme quantidade de CO2 que liberam (42% do total de emissões da Indonésia em 2015) e ao impacto significativo na saúde das pessoas. Neste verão, centenas de pessoas foram evacuadas, escolas foram fechadas e a má qualidade do ar está afetando a saúde das pessoas, especialmente as mais vulneráveis. A poluição do ar atingiu níveis perigosos em algumas partes do país - partículas microscópicas são especialmente perigosas. Os incêndios nas turfeiras não só afetam as pessoas, mas esses ecossistemas também abrigam uma biodiversidade única, que depende desse habitat para sobreviver. Precisamos manter as turfeiras húmidas.

Quais os desafios que a Indonésia enfrenta como o país tropical mais importante em relação à área de turfeiras e aos estoques de carbono?

A Indonésia possui uma proporção significativa dos estoques globais de carbono nas turfeiras tropicais. Estimativas recentes situam sua área de turfeiras em cerca de 22,5 milhões de hectares, quase o tamanho da Romênia. A queima de terra é prática comum como método considerado "econômico" para a remoção da vegetação, o que também pode melhorar temporariamente a fertilidade do solo. Mas quando você considera o custo para a saúde, para o bem-estar das pessoas e para o meio ambiente pela quantidade de emissões de gases de efeito estufa, a limpeza das turfeiras usando fogo, especialmente quando ocorre drenagem e degradação, não é prudente nem barato. Os incêndios nas turfeiras podem queimar no subsolo por meses, muitas vezes sem serem detectados, e apesar dos esforços do governo, a capacidade das comunidades de detectar e controlar esses incêndios ainda é baixa.

Historicamente, o uso de turfeiras na Indonésia incluía conversão e degradação significativas, drenagem para plantações de óleo de palma, silvicultura e agricultura. Eles aprenderam muito ao longo dos anos e o governo adotou medidas fortes ao comprometer-se a reavivar as turfeiras e a implementar moratórias rigorosas. Os incêndios na Indonésia em 2015 levaram à criação da Global Peatlands Initiative, liderada pelo PNUMA, com a missão de proteger e conservar as turfeiras como o maior estoque de carbono orgânico terrestre do mundo e impedir que esse estoque seja emitido na atmosfera, por meio de incêndios ou oxidação. Juntos, defendemos o compartilhamento de experiências para garantir um caminho de desenvolvimento diferente para países com turfeiras, como a quase intocada Cuvette Centrale da República Democrática do Congo e a República do Congo. A Indonésia está em uma longa jornada rumo à reumidificação, restauração e gerenciamento sustentável de suas turfeiras, o que exigirá apoio e colaboração da comunidade internacional.

Volunteer firefighters take part in a training course at Nusa Tumbang Village in central Kalimantan. Photo by UN-REDD
Bombeiros voluntários participam de um curso de treinamento na vila Nusa Tumbang, no centro de Kalimantan. Foto de UN-REDD

Qual é a solução para as turfeiras nessa região?

Uma de nossas prioridades imediatas como PNUMA é implementar a primeira fase de um projeto de 30 meses Strengthening Indonesian Capacity for Anticipatory Pet Fire Management (Fortalecimento da capacidade da Indonésia para o gerenciamento de incêndios em turfeiras, tradução livre), que visa aplicar as melhores práticas e o conhecimento dos ecossistemas de turfeiras para desenvolver abordagens inovadoras, essenciais para uma melhor gestão integrada de incêndios para o povo da Indonésia. O projeto, vinculado ao trabalho da Iniciativa e do Programa UN-REDD, é um esforço conjunto para ajudar as comunidades e o governo a previnirem, e se prepararem para enfrentar os incêndios das turfeiras.

A proteção eficaz das turfeiras, sua restauração e seu gerenciamento sustentável precisam do comprometimento e do envolvimento de todas as partes interessadas, incluindo o setor privado. Por exemplo, a Wana Subur Lestari sob a Sumitomo Concessão Florestal, é uma plantação comercial em turfeiras degradadas na Indonésia, com o objetivo de criar um equilíbrio entre economia, meio ambiente e sociedade. Eles estão adotando uma abordagem de “cúpula de turfa” que considera o funcionamento das turfeiras como um ecossistema de cúpula completo, gerenciando a hidrologia como um todo, em vez de dividir o gerenciamento entre concessões ou limites políticos. A empresa está investindo em conhecer mais sobre turfeiras por meio de mapas topográficos detalhados, monitorando a flora e fauna locais, investigando a distribuição de turfa e sua profundidade. Juntamente com o governo da Indonésia, eles determinaram quais áreas são adequadas para diferentes tipos de uso e o manejo na produção, na conservação e nas zonas sociais, de acordo com os regulamentos.

Esses esforços estão valendo a pena e, enquanto grandes partes da província estavam em chamas, as áreas cuidadosamente gerenciadas de sua concessão não. Eles têm observado que, na parte da concessão que administravam como área de conservação, espécies raras, como uma mãe orangotango e seu bebê, estão prosperando. A reumidificação, a restauração, a proteção e o gerenciamento de turfeiras não são apenas deveres dos governos, mas devem ser o objetivo de todos nós, se quisermos alcançar os objetivos estabelecidos no Acordo de Paris e nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

A natureza é a nossa maior aliada na luta contra as mudanças climáticas, ela responde rapidamente e gera resultados, mas também leva tempo para sarar. Portanto, já está passando da hora de termos mais ações e investimento nas turfeiras como uma solução baseada na natureza incrível.

Para mais informações, entre em contato com Dianna Kopansky: Dianna.Kopansky@un.org