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08 Mar 2023 Reportagem

Comércio de commodities agrícolas: impactos e desafios para a sustentabilidade no Brasil

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O projeto Comércio, Desenvolvimento e Meio Ambiente (Trade Hub), do Centro de Monitoramento da Conservação Mundial do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP-WCMC), está reunindo organizações de diferentes países, incluindo o Brasil, para ajudar a tornar o comércio sustentável para as pessoas e o planeta.

Juntos, esses parceiros do setor privado, traders, pesquisadores, governos e sociedade civil estão estudando todas as etapas de diversas cadeias de suprimentos, revelando conexões prejudiciais e potenciais maneiras de fazer mudanças duradouras.

Como o comércio agrícola pode impactar a natureza e as pessoas no Brasil? E o que pode ser feito a respeito de seus impactos? Entrevistamos a pesquisadora de pós-doutorado do Trade-Hub e professora da Universidade de Brasília, Susan E. M. Cesar de Oliveira, que tem dedicado seu tempo ao estudo dos impactos, riscos e benefícios associados ao comércio internacional de commodities agrícolas no Brasil, especialmente aqueles relacionados à conservação da biodiversidade.

Susan Oliveira, pesquisadora entrevistada - Foto de arquivo pessoal.
Susan Oliveira, pesquisadora entrevistada - Foto de arquivo pessoal.

O que está acontecendo no cenário do comércio de commodities agrícolas no Brasil? Podemos dizer que soja, carne bovina e óleo de palma são produzidos de forma mais sustentável do que no passado?

O Brasil - um importante ator na segurança alimentar global - é o maior exportador de soja e carne bovina do mundo. Inovações tecnológicas têm promovido ganhos de produtividade e permitido o estabelecimento de mecanismos para monitorar de perto a sustentabilidade da produção. No entanto, o desmatamento para expansão de terras agrícolas, o uso intensivo de agroquímicos e outras práticas que impactam negativamente o meio ambiente ainda são um desafio para o país. Importantes avanços ainda precisam ser feitos em direção à transição do Brasil para uma agricultura mais sustentável, alinhada ao aprimoramento do planejamento e gestão do uso da terra; e priorização de áreas para conservação e restauração.

A produção dessas commodities pode estar mais relacionada à perda ou ao ganho de biodiversidade? Qual é o contexto hoje?

A produção de commodities comercializadas globalmente é uma das principais causas de desmatamento, conversão de vegetação natural, perda de habitat e biodiversidade. No Brasil, não apenas a floresta amazônica está em risco - o rico bioma do Cerrado tem sofrido impactos severos devido ao cultivo em larga escala de soja e criação de gado. Embora haja uma maior conscientização sobre as conexões existentes  entre  produção agropecuária,  consumo,  comércio internacional e a perda de biodiversidade, esforços públicos e privados coordenados ainda são necessários para abordar completamente os impactos adversos dos sistemas alimentares insustentáveis. A complexidade das cadeias de suprimentos globais e as dificuldades inerentes a mensurar o valor da biodiversidade e seus impactos dentro das cadeias de suprimentos são alguns dos desafios para tornar essas conexões  ainda mais explícitas e encontrar soluções aplicáveis.

Como as regras e legislações comerciais estão melhorando para aumentar a sustentabilidade no setor?

Em nível multilateral, há um impulso renovado para reduzir a lacuna entre os diferentes "mundos" do comércio e do meio ambiente. A "Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra" e o "Diálogo Florestal, Agrícola e Comercial" (FACT), que resultou da COP26 da UNFCCC em 2021, são bons exemplos e fornecem um roteiro para a ação. As "Discussões Estruturadas sobre Comércio e Sustentabilidade Ambiental" (TESSD), uma iniciativa liderada por  membros da Organização Mundial do Comércio (OMC), também fornecem um novo fórum para discussões, além do Comitê de Comércio e Meio Ambiente da OMC. No entanto, as regras comerciais multilaterais ainda não abordam questões-chave de sustentabilidade, como o desmatamento. É por isso que o Reino Unido, a União Europeia e outros países estão buscando adotar regulamentações para  cadeias de suprimentos livres de desmatamento. Além disso, há um forte apelo para fortalecer as disposições de sustentabilidade nos acordos de livre comércio e melhorar os mecanismos de avaliação de impacto.

O que pode ser feito para tornar o comércio agrícola mais sustentável? Quais são as ferramentas disponíveis e por que devem ser usadas?

A coerência e  convergência de políticas e o aumento das sinergias entre consumidores, produtores e investidores são fundamentais para melhorar a sustentabilidade do comércio agrícola. Embora existam muitas ferramentas públicas, privadas e híbridas disponíveis — como regulamentações, normas e certificações voluntárias de sustentabilidade, compromissos de empresas, compromissos nacionais em acordos ambientais multilaterais, entre outros — são necessários frameworks inovadores de governança multinível para melhorar a coordenação, evitar a duplicação de esforços e custos de transação desnecessários.

Se nenhuma ação for tomada para reduzir os riscos e impactos das commodities agrícolas, quais consequências enfrentaremos?

As práticas agrícolas não sustentáveis levam à degradação do solo, perda de biodiversidade, poluição e escassez de recursos hídricos e impactos adversos na saúde humana. Além disso, aumentam as mudanças climáticas e representam riscos sistêmicos para a produtividade agrícola.

Quais são os impactos sociais da agricultura não sustentável e quem é mais afetado?

A expansão da fronteira agrícola para plantações de monocultura em larga escala, sem respeito ao meio ambiente e aos recursos naturais, gerou impactos sociais adversos.  Agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais são os grupos mais vulneráveis, sofrendo as consequências da grilagem de terras, desmatamento ilegal e uso indiscriminado de agrotóxicos. A pobreza, a insegurança alimentar e hídrica e a migração para áreas urbanas foram impulsionadas pela produção não sustentável de commodities. Isso ilustra a necessidade de transição para sistemas alimentares mais sustentáveis, que sejam social, econômica e ecologicamente equilibrados.

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Se você quiser saber mais sobre o trabalho de Susan Oliveira no projeto Trade-Hub, acesse o site de nossa instituição parceira, o IIS-Rio, que realizou vários estudos relevantes para entender o comércio e a sustentabilidade no Brasil.