UNEP / Florian Fussstetter
03 Dec 2021 Reportagem Chemicals & pollution action

Como o plástico está poluindo os solos ao redor do mundo

UNEP / Florian Fussstetter

As imagens são graves: pássaros mortos e tartarugas sufocadas presas nos plásticos que vêm invadindo cada vez mais os ecossistemas marinhos.

Em muitas partes do mundo, esse tipo de poluição plástica já virou título de reportagens.

No entanto, há uma praga ambiental semelhante que recebe bem menos atenção, mas é possivelmente tão prejudicial quanto a primeira, de acordo com especialistas: a poluição plástica proveniente da agricultura. Um estudo recente do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) indica que os solos agrícolas talvez recebam mais microplásticos que os oceanos.

Por ser um subproduto com origem na lenta decomposição de materiais desde redes de proteção a painéis de estufas, esse tipo de plástico se infiltra pelos solos do mundo, reduzindo a qualidade e afetando a cadeia alimentar dessas terras.

Próximo ao Dia Mundial do Solo — 5 de dezembro — especialistas alertam para o que definem como uma ameaça invisível aos sistemas alimentares do mundo.

“Nossos sistemas de contabilidade não atribuem um valor para o solo saudável, por isso, os incentivos para mantê-lo assim são fracos. Os produtos plásticos nas fazendas de fato fazem parte do rastro tóxico decorrente do crescimento econômico”, disse Mahesh Pradhan, Coordenador da Parceria Global para Gestão de Nutrientes do PNUMA.

Os plásticos presentes no solo são um problema global que geralmente anda lado a lado com a agricultura intensiva. Estima-se que estão presentes em todo lugar do mundo, da Ásia, à América do Norte, até a África. Frear esse fenômeno será fundamental nos próximos anos. Especialistas calculam que mais de 8,3 milhões de toneladas de plástico foram produzidas desde o início da década de 1950 e o volume global de resíduos plásticos segue crescendo.

De acordo com a Avaliação Global da Poluição do Solo, conforme a população mundial venha a aumentar em 2 bilhões até 2050, a redução da poluição plástica no solo será fundamental para o progresso dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.

Esse relatório, publicado pelo PNUMA em conjunto com a FAO, mostra que a segurança alimentar global está sendo comprometida pela poluição do solo. Se isso não for resolvido, esse problema continuará impedindo a concretização dos objetivos relacionados à erradicação da pobreza (ODS 1), fome zero (ODS 2) e acesso à água potável segura (ODS 6), entre outros.

Origem

An aerial shot of greenhouses
Estufas abandonadas são uma grande fonte de poluição plástica para os solos. Foto: Reuters / Huang Yangjun

Grande parte do material plástico encontrado no solo é da variedade de uso único, diz Pradhan. Entre as fontes mais poluentes estão as lonas plásticas para cobertura do tipo mulching, usadas ao redor das plantas para manter o solo úmido, e fertilizantes de liberação lenta revestidos de plástico, informa o coordenador. Outros produtos plásticos incluem lonas para estufas e ensilagem, redes de sombra e proteção, e a irrigação por gotejamento, indica Lev Neretin, do Escritório de Mudanças Climáticas, Biodiversidade e Meio Ambiente da FAO.

Muitos agricultores estão cada vez mais dependentes dos plásticos agrícolas: produtos que, segundo Neretin, prolongam as estações de crescimento, reduzem o uso de pesticidas, protegem as plantas das intempéries climáticas, melhoram a eficiência da água e podem aumentar a produtividade em até 60%.

Vários desses materiais se decompõem em partículas menores que 5mm de tamanho, conhecidas como microplásticos, e depois se desintegram ainda mais em nanopartículas com menos de 0,1 micrometro, que podem se infiltrar nos sistemas do solo e de água subterrânea.

"Mas não é impossível solucionar esse problema. O primeiro passo é iniciar o cultivo de safras apropriadas para o clima", diz Kristina Thygesen, especialista sênior da GRID Arendal – um centro de comunicação ambiental sem fins lucrativos –, que trabalha em conjunto com o PNUMA em estudos sobre o plástico na agricultura.

Impactos na saúde

A bird on top of a plastic greenhouse
Em 2018, pesquisadores alemães estimaram que, de 400 milhões de toneladas de plástico produzidas anualmente, um terço acaba se tornando resíduo plástico em solos e na água potável. Foto: Pixabay / Dimitri Tsevtsikas

A maneira com a qual o solo interage com o esse material depende de diversos fatores, como umidade, acidez, raios ultravioleta, e do tamanho e tipo de plástico.

“O problema é que não sabemos os danos a longo prazo que a decomposição desses produtos está causando nas terras agrícolas. Precisamos desenvolver métodos padronizados de detecção de microplásticos no solo para entendermos melhor a permanência deles e como mudam com o tempo”, afirma Pradhan.

Alguns estudos sugerem que os plásticos degradados podem se acumular na cadeia alimentar. Embora seja necessária uma maior pesquisa sobre os impactos na saúde, Neretin declara que já foram encontrados microplásticos em órgãos humanos, inclusive, recentemente, no cérebro.

“O princípio da precaução requer muito mais pesquisa sobre esse tema”, acrescentou, e que o mundo precisa se empenhar na eliminação de microplásticos da cadeia alimentar.

Próximos passos

Thygesen diz que a inovação será a chave para deter a dependência dos plásticos na agricultura.

“Hoje, pode ser que um agricultor use o plástico para controlar ervas daninhas, mas, no futuro, podemos desenvolver uma máquina que as reconheça e remova. Vivemos em um mundo altamente tecnológico e podemos encontrar soluções, se realmente quisermos. Precisamos criar uma nova geração de tecnologia agrícola”, argumentou.

Pradhan afirma ser necessário que o setor agrícola como um todo se torne mais eficiente e passe a reaproveitar os plásticos.  

Isso já acontece em muitos lugares, declara Neretin. Cerca de 60 países adotam um sistema de responsabilidade ampliada do produtor para o controle de embalagens de pesticidas, que atribui o ônus do tratamento e descarte adequados dos produtos aos fabricantes. Alguns sistemas também incluem a coleta e reciclagem de uma gama maior de plásticos na agricultura.

Uma parcela de fabricantes recorre a materiais mais inovadores, como o plástico biodegradável, que possam ser decompostos por micróbios e transformados em biomassa ou água. No entanto, no fim das contas, especialistas concluem que se trata de um problema que não será resolvido por um único grupo.

Além disso, é necessária a capacitação de produtores sobre gestão e remoção de plásticos e o livre acesso a alternativas sustentáveis, diz Neretin. Os agentes de fiscalização também devem estabelecer diretrizes precisas sobre o uso e descarte de plásticos na agricultura. Os fabricantes desse material precisam inovar e fornecer soluções circulares. "A ciência precisa rastrear o caminho da poluição nos solos e cadeias alimentares para definir as consequências da poluição plástica", concluiu ele.

Sobre o Dia Mundial do Solo

O Dia Mundial do Solo é comemorado anualmente em 5 de dezembro para destacar a importância de um solo saudável e promover o manejo sustentável dos recursos da terra.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e a GRID Arendal desenvolvem pesquisas sobre a questão do plástico na agricultura. No dia 7 de dezembro será realizado um webinário conjunto sobre plásticos na agricultura, paralelamente ao Dia Mundial do Solo e ao lançamento do relatório da FAO “Avaliação dos plásticos agrícolas e sustentabilidade: um chamado para ação”.