UNEP / Samat Barataliev
09 Dec 2021 Reportagem Youth, education & environment

No Quirguistão, um jovem ativista usa dados para expor a poluição do ar

UNEP / Samat Barataliev

O Dia dos Direitos Humanos é celebrado todos os anos no dia 10 de dezembro. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) apóia o reconhecimento, avanço e implementação dos direitos humanos relacionados ao meio ambiente em uma abordagem multifacetada, inclusive através da Iniciativa de Direitos Ambientais - um pacote de trabalho baseado em direitos empreendido pelo PNUMA e parceiros para promover, proteger e respeitar as obrigações de direitos humanos relacionadas ao desfrute de um meio ambiente seguro, limpo, saudável e sustentável.

Este ano, exploramos como uma laureada dos Campeões da Terra do PNUMA está defendendo o direito a um meio ambiente saudável, aumentando a conscientização pública sobre a poluição do ar.

Se uma imagem vale mais que mil palavras, para Maria Kolesnikova, Campeã da Terra deste ano na categoria Visão Empreendedora, uma imagem valeu um início de todo um movimento. 

Era 2016 e Kolesnikova, uma profissional de Relações Públicas com 28 anos na época, era voluntária para a MoveGreen, uma organização ambiental liderada por jovens na República do Quirguistão. 

Ali, uma pessoa mostrou a Kolesnikova uma foto de Bishkek, tirada de cima das montanhas que cercam a capital quirguistanêsa.  "Só que não se podia ver a cidade", disse Maria. "Bishkek estava coberta por um manto cinza. Não sabíamos como chamar aquilo; mas sabíamos que era algo muito ruim”.

Bishkek, lar de cerca de 1 milhão de pessoas, está entre as cidades com o ar mais poluído no mundo. Durante o inverno, está sempre coberta por uma cúpula de neblina e fumaça que têm origem no meio ambiente — a cidade é, em média, 5 °C mais quente que o entorno — e na fumaça do carvão usado para aquecer a maioria das casas.

"Queríamos entender mais sobre o que estava no ar que respirávamos e quais dados a cidade coletava para tentar melhorar a situação", disse Kolesnikova. "Mas não encontrávamos dados relevantes atualizados - ou não estavam sendo coletados, ou não estavam sendo compartilhados. Então, decidimos produzir os dados nós mesmos.”

Um começo modesto

A MoveGreen começou com apenas três sensores que mediam a qualidade do ar, na prática, por meio do monitoramento, pela primeira vez na República do Quirguistão, dos níveis do material particulado fino (MP 2,5 ou PM 2,5, em inglês) — produzido pela queima de carvão e outros combustíveis, pela combustão e pela poeira. Em concentrações elevadas, as partículas finas podem causar inflamação nos pulmões e outras doenças respiratórias. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a poluição atmosférica causa até 7 milhões de mortes por ano. 

Quando as primeiras estatísticas chegaram, Kolesnikova e a equipe da Movegreen tomaram uma decisão corajosa. Lançaram a campanha “School Breathes Easily” (“Escola Respira Mais Fácil”, na tradução literal), levando a mensagem para uma população que estava pronta para escutá-la: as crianças em idade escolar de Bishkek. Mundialmente, 93%  das crianças vivem em ambientes onde os níveis de poluição do ar estão acima das orientações da OMS. Cerca de 600 mil morrem prematuras por ano devido à poluição atmosférica, sendo que a exposição ao ar poluído também pode prejudicar o desenvolvimento cognitivo e motor e colocar as crianças em maior risco de doenças crônicas numa fase posterior da vida.

Em Bishkek, os sensores que medem a qualidade do ar foram instalados em escolas para que as janelas nas salas de aulas sejam mantidas fechadas quando houver muita poluição. Os professores também usam os dados para avisar os pais sobre como evitar que seus filhos ficassem expostos às partículas finas. Hoje, existem mais de 100 sensores instalados na cidade e na região. 

A cell phone with air pollution data on it.
MoveGreen desenvolveu um aplicativo que agrega dados de poluição atmosférica a cada 20 minutos de Bishkek e Osh, as duas maiores cidades do país. Foto: UNEP / Samat Barataliev

O sucesso da campanha nas escolas motivou Kolesnikova, que nessa época já estava no cargo de diretora da MoveGreen. Coletar os dados não era suficiente; era necessário um movimento para convencer tomadores de decisões a melhorar a qualidade do ar de Bishkek.

A Movegreen desenvolveu um aplicativo, disponível globalmente agora, chamado Aba.kg, um coletor e transmissor de dados em tempo real sobre a qualidade do ar. A plataforma agrega dados a cada 20 minutos das duas maiores cidades do Quirguistão, Bishkek e Osh, sobre a concentração de poluentes no ar, incluindo o dióxido de nitrogênio, o MP 2,5 e seu primo maior, o MP 10. 

“Nossos dados já foram questionados, nossos métodos já foram questionados — por aqueles que dizem que dados monitorados por cidadãos não são confiáveis”, disse Kolesnikova. "Mas continuamos fazendo reuniões e insistindo, até que, agora, eles nos escutam. O resultado do nosso trabalho têm sido a conexão com o governo para melhorar o monitoramento ambiental em Bishkek e realizar um trabalho melhor de monitoramento e redução de emissões".

“O trabalho da Kolesnikova reflete como indivíduos e cidadãos podem impulsionar mudanças ambientais utilizando o poder da ciência e dos dados”, disse Inger Andersen, Diretora Executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. “Muitas vezes, as pessoas se perguntam se há algo que possam fazer para combater a poluição, as mudanças climáticas e outras ameaças ao planeta. Maria Kolesnikova prova que sim. Sua dedicação é notável e mostra que todos e todas podemos desempenhar um papel para levar o planeta rumo a um futuro melhor”. 

A coroação da Kolesnikova como Campeã da Terra veio poucos dias antes do Dia dos Direitos Humanos, no dia 10 de dezembro. Foi uma sinergia inesperada. As Nações Unidas declararam no início deste ano que ter um ambiente saudável e sustentável é um direito humano, uma posição que a Kolesnikova apoia.

"É nosso direito respirar ar puro", disse ela.

Alguém tem que assumir a responsabilidade pelo futuro. Por que não eu?”

Maria Kolesnikova

Planos futuros

Os planos da MoveGreen para os próximos meses incluem a convocação de políticas ao nível municipal e nacional para desenvolver projetos de lei que requerem sessões regulares de informação pública sobre os resultados das medições da qualidade do ar. A República do Quirguistão se comprometeu com metas globais para combater a mudança climática, entre elas, uma meta incondicional de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em mais de 16% até 2025. 

An illustration of a woman standing on the street.
O objetivo da Kolesnikova é expandir a plataforma de monitoramento aéreo da MoveGreen para outros países da Ásia Central. Foto: UNEP / Lulu Kitololo

Existem enormes oportunidades para fontes alternativas de energia; apenas 10% do potencial hidrelétrico do Quirguistão tem sido explorado e outras opções de energia renovável poderiam envolver o aumento do fornecimento de aquecimento e eletricidade provenientes de energia eólica ou solar e do biogás. 

Segundo a ativista, se houvesse mais investimento em ciência no Quirguistão, o país conseguiria projetar suas próprias soluções e criar uma sociedade ecológica em harmonia com a natureza ao seu redor, inclusive com as montanhas tanto ama. 

Como a poluição do ar não tem fronteiras, Kolesnikova e MoveGreen estão entrando em acordos regionais com outros países da Ásia Central. O objetivo da ativista é convencer os seis Estados da região a colaborar em formas de combater a poluição do ar em suas cidades emergentes. A implantação de sistemas e padrões para avaliar a qualidade do ar será fundamental. Um estudo recente do PNUMA constatou que apenas 57 países acompanham constantemente a qualidade do ar, enquanto 104 não dispõem de infraestrutura de monitoramento.

Kolesnikova diz que é movida pelo desejo de fazer do mundo um lugar melhor. “Muitas vezes, você pode se sentir desmotivada como ativista — você trabalha tão duro, não quer mais continuar. Mas então você percebe, não. Alguém tem que assumir a responsabilidade pelo futuro. Por que não eu?”

Os Campeões e os Jovens Campeões da Terra do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente reconhecem indivíduos, grupos e organizações cujas ações têm um impacto transformador no meio ambiente.  Entregue anualmente, o prêmio é a maior honraria ambiental da ONU. 

A Assembleia Geral das Nações Unidas declarou os anos de 2021 a 2030 como a Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas. Liderado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), com o apoio de parceiros, a Década foi concebida para prevenir, deter e reverter a perda e a degradação dos ecossistemas no mundo inteiro. O objetivo é revitalizar bilhões de hectares, cobrindo tanto ecossistemas terrestres quanto aquáticos. Um chamado global à ação, a convocação reúne apoio político, pesquisa científica e força financeiro para intensamente ampliar a restauração. Para saber mais, acesse: https://www.decadeonrestoration.org/pt-br/

O painel de controle da poluição do ar do PNUMA fornece dados em tempo real sobre a poluição do ar em todo o mundo, seu impacto na saúde humana e os esforços nacionais para lidar com esse problema