20 Nov 2019 Speech Nature Action

11ª reunião do Grupo de Trabalho Ad Hoc Aberto sobre o Artigo 8 (j) e Disposições Relacionadas da Convenção sobre Diversidade Biológica

Sr. Presidente,

Ilustres Delegados(as),

Representantes dos povos indígenas e comunidades tradicionais do mundo,

Bem-vindos, bienvenu bienvenidos y bienvenidas, a Montreal.

Gostaria de estender minha sincera gratidão aos anciãos da comunidade Mohawk, Kanien'ke-há-ka ("Povo da Pederneira"),[1] Sr. Charles Patton, Sr. Kenneth Deer e Senhora Lynn Jacobs, por nos prover uma recepção tradicional.

Aproveito esta oportunidade para reconhecer respeitosamente os povos tradicionais deste território em que estamos reunidos.

O representante da presidência da COP, Dr. Hamdallah Zedan; e Elizabeth Mrema, Diretora Responsável da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica.

A última vez em que estive com muitos de vocês, em Nairóbi, há apenas alguns meses, falamos sobre a importância da tarefa à frente, ao definir a direção da Convenção sobre Diversidade Biológica após 2020. Conversamos sobre a necessidade de ampliarmos nossas ambições no quadro de biodiversidade pós-2020; a necessidade de termos linhas de base, metas e indicadores apropriados; de nos concentrarmos tanto na qualidade das áreas protegidas quanto na quantidade; e de obter a adesão de setores com impacto na terra, como a agricultura e a infraestrutura.

Também conversamos sobre como estabelecermos metas não significa nada sem soluções adequadas. É inegável que os povos indígenas e as comunidades locais (IPLCs, na sigla inglesa) estão implantando exatamente os tipos de soluções que o mundo inteiro precisa considerar para um futuro sustentável.

Um dos estudos de referência que acrescentou urgência e impulso a este trabalho este ano, alertando sobre o colapso da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos em andamento - sem elaborar sobre as conclusões, que todos nós conhecemos - mostrou como os IPLCs são fundamentais no apoio à biodiversidade e os ecossistemas. A avaliação do IPBES nos disse que, embora a biodiversidade esteja em declínio em todo o mundo, está diminuindo menos rapidamente em áreas gerenciadas por IPLCs. Há evidências da boa gestão de terras e águas por parte dos IPLCs. Para citar apenas mais um exemplo, um estudo publicado na revista Science constatou que na Colômbia, na Bolívia e no Brasil, as terras gerenciadas por IPLCs emitiam 70% menos carbono do que as terras gerenciadas por outros.

Esses resultados são enormes quando consideramos que mais de um quarto da área terrestre é tradicionalmente de propriedade, gerenciada, usada ou ocupada por povos indígenas. Edna Kaptoyo, falando em nome do Grupo Principal dos Povos Indígenas, disse à Assembleia do Meio Ambiente da ONU em março deste ano que até 80% da biodiversidade florestal está nos territórios dos povos indígenas.

Apesar de seu histórico de sucesso, sem posse segura, os territórios dos IPLCs estão ameaçados por indústrias extrativas, e setores de agricultura, infraestrutura e muito mais. Além disso, quando os representantes dos IPLCs se levantam e tentam proteger suas terras e águas, muitas vezes pagam por seus esforços de proteger a natureza com suas vidas. Em 2018, 164 defensores dos direitos ambientais foram mortos, quase quatro por semana. Muitos deles eram povos indígenas e muitos eram mulheres.

Hoje, aos muitos representantes dos IPLCs nesta sala, ofereço meu profundo agradecimento e respeito por tudo que fizeram e continua fazendo. Nós, como comunidade global, precisamos ajudá-los a proteger suas terras. Precisamos trabalhar com vocês e aprender com vocês. Precisamos dar a vocês um papel muito mais forte nos esforços globais para preservar a biodiversidade e os ecossistemas, para o bem de toda a humanidade. É por isso que o artigo 8 (j) da CDB - que exige que as Partes respeitem e preservem as práticas dos IPLCs que promovem a conservação e o uso sustentável da diversidade biológica - é crucial.

É também por isso que este grupo de trabalho é um movimento chave. Ele permite que as Partes apoiem IPLCs para ajudar a alcançar os objetivos da Convenção e sua visão da humanidade vivendo em harmonia com a natureza.

Este grupo de trabalho fará recomendações sobre um novo programa integrado de trabalho sobre o artigo 8 (j) e disposições relacionadas, bem como arranjos institucionais para IPLCs no Quadro Global de Biodiversidade Pós-2020. Qualquer que seja a sua escolha, capturar totalmente as contribuições coletivas e locais dos IPLCs é vital para o desenvolvimento da arquitetura e dos elementos de uma Estrutura de Biodiversidade Global pós-2020.

Até agora, nas consultas pós-2020, os IPLCs apresentaram propostas interessantes que podem contribuir maciçamente com o quadro pós-2020.

Por exemplo, áreas de conservação de comunidades indígenas ou áreas protegidas indígenas, assim como a conservação in situ de culturas e animais tradicionais dos sistemas alimentares locais e para a segurança alimentar, são propostas muito atraentes. Agradeço ao Fórum Indígena Internacional sobre Biodiversidade, que atua como um grupo indígena da Convenção, por suas contribuições até agora neste trabalho.

Alguns países, como a Austrália, já estão aproveitando o poder de conservação da comunidade por meio de extensas parcerias com os povos indígenas. Na Austrália, existem agora 75 áreas indígenas protegidas, cobrindo mais de 67 milhões de hectares. Isso representa mais de 44% do Sistema Nacional de Reservas, criando a maior área contígua de terras áridas protegidas do mundo. Aqui, o Canadá superou seu compromisso de proteger 10% de seu território oceânico com o anúncio de proteção provisória para a mais nova e maior Área Marinha Protegida (MPA) do Canadá - Tuvaijuittuq, que cobre 5,55% do território oceânico do Canadá, em parceria com a Associação Inuit de Qikiqtani (Qi - Kik - tani) e os governos (indígenas) de Nunavut.

Esses sucessos, e os outros que mencionei anteriormente, enviam uma mensagem muito clara: precisamos tornar os IPLCs parceiros integrais na implementação da Convenção.

Isso faz sentido absoluto. Os territórios dos IPLCs são ilhas de diversidade em um mar de ecossistemas degradados. Eles estão claramente fazendo algo certo, e precisamos dar-lhes espaço para continuar. Os IPLCs, e especialmente as mulheres que fazem parte deles, precisam de posse segura da terra e acesso a seus recursos naturais. Elas também devem ser capazes de gerenciar essas terras, águas e recursos de maneira sustentável. Esta Convenção pode ajudar a fazer isso acontecer. No entanto, nos sextos relatórios nacionais à CDB até agora, o reconhecimento e o incentivo às ações locais e coletivas dos IPLCs continua sendo uma oportunidade perdida para muitas das Partes, com algumas exceções notáveis.

Para dar maior destaque aos IPLCs e apoiar a saúde dos ecossistemas ​​e a resiliência de comunidades, devemos fazer tudo o que pudermos em nível global para aproximar a diversidade biológica e cultural.

As sociedades urbanas modernas foram construídas inteiramente sobre o uso da natureza como um recurso extrativo e nos distanciando dela o máximo possível, exceto por espaços controlados como parques e ecoturismo. Essa desconexão é a fonte da maioria dos problemas ambientais que o mundo enfrenta. Tornamos a natureza nossa serva e inimiga, em vez de aliada.

Mas a separação entre natureza e cultura não é possível para os povos indígenas das Américas, que se consideram descendentes do Milho, por exemplo. Não é possível para os povos indígenas do Pacífico, que são descendentes do Taro. A separação entre natureza e cultura não é possível para nenhuma comunidade tradicional ou povo indígena, pois suas histórias e valores se desenvolveram em um intrincado relacionamento com a natureza ao longo de milênios.

E, no entanto, todos sabemos, instintivamente, que natureza e cultura estão profundamente conectadas. Natureza e cultura juntas nos proporcionam um senso de pertencimento. Uma sensação de paz. Um senso de si mesmo. A memória do nosso passado e a visão para o nosso futuro. A natureza molda nossa história e determina nossa cultura.

Uma maneira de ajudarmos a diminuir a distância entre cultura e natureza é por meio da Aliança Internacional para Natureza e Cultura. Essa Aliança é uma extensão natural de uma década de esforços conjuntos entre a CDB, a UNESCO, a IUCN e os governos para entender os vínculos entre a diversidade biológica e a cultural e aplicar lições aprendidas ao nosso trabalho.

Fundamentalmente, porém, tal aliança, e quaisquer arranjos que este grupo de trabalho decida, são ferramentas. São formas de ajudar a levantar e espalhar soluções que possam reverter as tendências da perda de biodiversidade. Os mantenedores de muitas dessas soluções são povos indígenas e comunidades locais. São eles que têm o tipo de relacionamento com a natureza a que as sociedades modernas devem aspirar. Demos muito pouca atenção às suas vozes e exemplo por muito tempo. Este grupo de trabalho tem uma oportunidade real de dar a essas vozes o poder que elas merecem. Peço que vocês a aproveitem.

Como acabamos de ouvir do Dr. Zedan, representante do Presidente da COP, precisamos de ambição, inclusão, comprometimento e determinação infalível para garantir que a natureza, e todas as espécies, possam ser sustentadas. Que seu espírito e seu coração sejam movidos e mobilizados da maneira que Charles Patton pediu. Ele nos implorou para agir. Proteger. Se importar. Com esse espírito, desejo a esta reunião todo o sucesso.

Obrigada.

Inger Andersen

Diretora Executiva, Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

 

[1] Os Kanien'kehá: ka ("Povo da Pederneira"), também conhecidos como Mohawk, é um povo indígena norte-americano de língua iroquesa, que forma parte da Confederação Haudenosaunee. A comunidade indígena mais próxima de Montreal é a Kahnawake.

Conteúdo relacionado