Quando o martelo foi batido sobre a resolução para acabar com a poluição plástica na quinta sessão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA-5.2) em Nairóbi, em março passado, houve abraços e lágrimas entre os delegados. A emoção refletia a importância desse marco histórico: um instrumento global juridicamente vinculativo para acabar com a poluição plástica.
De forma crucial, a resolução aborda o ciclo de vida completo do plástico, uma abordagem holística necessária para enfrentar a crescente crise da poluição plástica. A humanidade produz cerca de 460 milhões de toneladas de plástico por ano, um número que - sem ação urgente - triplicará até 2060. Globalmente, 46% dos resíduos plásticos são depositados em aterros sanitários, 22% são mal administrados e se tornam lixo, 17% são incinerados e 15% são coletados para reciclagem, sendo que menos de 9% são de fato reciclados após as perdas.
Conversamos com o Secretário Executivo do Secretariado do Comitê de Negociação Intergovernamental (INC), Jyoti Mathur-Filipp, sobre a importância de uma economia circular para os plásticos e por que o tratado global sobre plásticos é fundamental.
A Diretora-Executiva do PNUMA, Inger Andersen, o Presidente do INC, Gustavo Meza-Cuadra, e o Secretário-Executivo do INC, Jyoti Mathur-Filipp, visitam o Sr. Green, no Quênia.
O que é a economia circular?
Jyoti Mathur-Filipp (JMF): A economia circular é uma economia eficiente em termos de recursos em que o desperdício e a poluição são eliminados, os produtos e materiais são mantidos em uso em seu valor mais alto pelo maior tempo possível e os sistemas naturais são regenerados.
Sabemos que a reciclagem por si só não acabará com a poluição plástica. Precisamos adotar uma abordagem de ciclo de vida, o que significa reexaminar como os produtos são projetados, produzidos e distribuídos. As abordagens que visam apenas um elemento da economia, como a reciclagem, não conseguem resolver o problema. Precisamos de uma mudança sistêmica.
A chave para isso é garantir que haja incentivos financeiros para a reutilização de produtos e que haja adesão entre os setores de alto consumo, principalmente as empresas focadas em embalagens plásticas e na fabricação. O modelo econômico atual e suas políticas e incentivos subjacentes favorecem os ganhos de curto prazo e ignoram as externalidades causadas pelas atividades econômicas, como o esgotamento de recursos, a degradação ambiental ou as implicações para a saúde humana. A mudança dos incentivos econômicos para penalizar a poluição e recompensar a eficiência dos recursos aumentará a atratividade econômica das soluções de economia circular.
Os três princípios da economia circular de plásticos: eliminar, inovar e circular, oferecem uma nova visão de um futuro sustentável. Isso significa que devemos nos esforçar para eliminar os produtos plásticos de que não precisamos; inovar, para que todos os plásticos de que precisamos sejam projetados para serem reutilizados, reciclados ou compostados com segurança; e circular tudo o que usamos para mantê-lo na economia e fora do meio ambiente.
Por que isso é importante?
JMF: A poluição plástica é uma enorme ameaça aos ecossistemas, ao clima e, em última análise, ao bem-estar humano. De acordo com um estudo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), mais de 14 milhões de toneladas métricas de plástico entram e danificam os ecossistemas aquáticos anualmente, e espera-se que as emissões de gases de efeito estufa associadas aos plásticos sejam responsáveis por 15% do total de emissões permitidas até 2050, se a humanidade quiser limitar o aquecimento global a 1,5°C.
Por que a resolução global sobre plásticos é tão importante?
JMF: Nunca antes os governos haviam se unido para acabar com a poluição por plásticos em nível global. A resolução reconhece a importância de uma abordagem internacional para evitar a poluição plástica e seus efeitos adversos sobre o bem-estar humano e o meio ambiente. Ela mostra o que é possível com a cooperação internacional. Em particular, a resolução reconhece a contribuição significativa feita por trabalhadores em ambientes informais e cooperativos para a coleta, classificação e reciclagem de plásticos em muitos países.
The plastics circular economy’s three tenets: eliminate, innovate and circulate, offer a new vision of a sustainable future. This means that we should strive to eliminate plastic products we don’t need; innovate, so all plastics that we do need are designed to be safely reused, recycled, or composted; and circulate everything we use to keep it in the economy and out of the environment.
O que é o INC?
JMF: Os Estados Membros da ONU deram ao PNUMA o mandato de convocar o INC - o comitê encarregado de desenvolver o instrumento internacional juridicamente vinculativo, com o objetivo de concluir seu trabalho até o final de 2024, quando o tratado estaria pronto para ratificação.
O que o tratado poderia abranger?
JMF: O tratado global precisa tratar da poluição plástica, inclusive no ambiente marinho, e poderia incluir abordagens obrigatórias e voluntárias com base no ciclo de vida completo dos plásticos e levando em conta, entre outras coisas, as circunstâncias e capacidades nacionais. De acordo com a Resolução da UNEA, o tratado deve incluir uma série de disposições técnicas que considerariam como promover a produção e o consumo sustentáveis de plásticos, desde o design do produto até o gerenciamento de resíduos ambientalmente saudável, por meio da eficiência de recursos e de abordagens econômicas circulares seguras e justas que sejam viáveis para todos os Estados-Membros.
O que o INC está fazendo agora?
JMF: A primeira sessão do INC - conhecida como INC-1 - foi realizada de 28 de novembro a 2 de dezembro do ano passado no Uruguai, onde mais de 1.400 delegados presenciais e virtuais de 147 países participaram da reunião que estabeleceu as bases para moldar o acordo global para acabar com a poluição plástica. A reunião estabeleceu a base para moldar o instrumento global, com muitos governos confirmando seu desejo de ter um instrumento que aborde todo o ciclo de vida dos plásticos, protegendo a saúde humana e o meio ambiente, e que seja capaz de reduzir a poluição por plásticos.
O que acontecerá em seguida?
JMF: Há várias sessões do INC planejadas para os próximos dois anos, com a segunda sessão ocorrendo em maio de 2023 em Paris. Nessas sessões, os governos trabalharão o conteúdo e a logística do tratado sobre plásticos, a fim de desenvolver e adotar um instrumento juridicamente vinculativo sobre a poluição plástica. O INC solicitou ao secretariado que preparasse um documento com possíveis opções de elementos para um instrumento internacional juridicamente vinculante para essa segunda sessão.